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Uma noite (dentro de um quarto de hotel mixuruca) em Miami...

Crítica: Uma Noite Em Miami (2020)

Marco Souza


Uma Noite Em Miami... (2020) é o não-tão-mais-recente drama histórico a entrar no catálogo do Prime Video. Debut como diretora da já premiadíssima atriz Regina King, Uma Noite Em Miami (vou botar sem as reticências durante o resto do texto por questão de puro perfeccionismo estético) é uma adaptação da peça homônima escrita por Kemp Powers, que aqui também assina como o único roteirista. O longa demonstra o que poderia ter acontecido numa noite fictícia de 1964, quando quatro ícones estadunidenses para o movimento negro se encontram para discorrer sobre o atual estado da população preta no país. As personalidades são o pugilista Cassius Clay (Eli Goree), que mais tarde trocaria seu nome para “Muhammad Ali”; o ativista Malcolm X (Kingsley Ben-Adir); o jogador de futebol americano Jim Brown (Aldis Hodge); e o músico Sam Cooke (Leslie Odom Jr).


Filmes que retratam momentos históricos de países do exterior sempre me transmitem um pouco de medo antes de pressionar o botão do play. É difícil saber se o longa vai ou não assumir que você é parte da audiência nacional que os produtores tiveram em mente incialmente, e por isso não vão fazer questão de explicar todo o contexto histórico no qual a narrativa se passa com muitos detalhes. Mas para a nossa sorte, como o texto provém de uma peça de teatro, os personagens vão fazer questão de deixar tudo mastigadinho para que todo mundo entenda sem nenhum problema.


Condescendência de lado, o que eu quero dizer é que Uma Noite Em Miami faz um ótimo trabalho nos situando dentro de sua história. Embora, pessoalmente falando, a escrita teatral não me agrade tanto em um filme (ou honestamente por conta própria), King e Powers fizeram um ótimo trabalho de adaptação. A composição e o bloqueio de cena montam uma situação natural de conversa entre amigos de longa data, raramente botando toda a atenção do espectador em monólogos intermináveis e sofríveis, diferente de como um filme de similares origens teatrais como A Voz Suprema do Blues (2020) faz. Também ajuda que Malcolm X era literalmente um ativista que falava como um militante do Twitter, então até nos momentos de pregação exagerada, sabemos que é condizente ao personagem e que King realmente quer que ele se apresente como insuportável às vezes.


E falando da própria escrita, Uma Noite Em Miami apresenta alguns dos debates mais interessantes sobre a situação do cidadão preto estadunidense que eu já vi. Os personagens de Odom Jr e Ben-Adir basicamente servem de porta-vozes para diferentes tipos de ativismo: Sam Cooke representa um tipo de militância mais resguardada e analítica, partindo do princípio que a população branca primeiramente precisa ver o homem negro como igual, para finalmente notar todas as injustiças que os quais sofrem. Enquanto isso, o ativismo de Malcolm X traz consigo um grande teor de abrasividade e insatisfação, querendo demonstrar ao governo e à mídia que os pretos sabem do que são negados e que, baseados em ideais anárquicos, vão lutar pelos seus direitos. Ah, e Clay e Brown também estão ali para dar um pitaco ou outro.


Mas a decisão mais inteligente que o roteiro toma é exatamente de não escolher um dos dois princípios para apoiar. Ambos Malcolm X e Sam Cooke tem espaço para argumentar seus pontos de vista, e darem suas respectivas réplicas e tréplicas. Na sequência final do longa, King enfatiza que nunca haverá uma resposta correta ou errada para como se expressar. Malcolm X é hipócrita, Cassius Clay é um peão, Sam Cooke é passivo demais, e Jim Brown é um ícone maravilhoso que nunca errou, mas as vozes de todos os quatro são importantíssimas, desde que realmente as usem e não permaneçam calados. Não é por coincidência que a música tocada nessa sequência literalmente se chama “Speak Now”, Fale Agora.


Em termos técnicos, gostaria de botar em evidência a atuação de Aldis Hodge, que está tão carismático aqui quanto em O Homem Invisível (2020), mesmo com um papel de importância similar ao abajur de canto do quarto de hotel em que o filme se passa. O destaque também obviamente vai para Odom Jr e Ben-Adir, mas sou mais hesitante com esses pois o primeiro se deu ao trabalho de fazer a atrocidade capacitista Music (2021), e o segundo interpretou um homem teimoso, o que é o mesmo que dizer que “a água é molhada”. E, similar à presença de Cassius Clay na trama, não tenho nada a declarar sobre Goree,


“Inesperado” é provavelmente o melhor adjetivo que posso usar para descrever minha experiência com Uma Noite Em Miami. Em vários momentos, me peguei fascinado pela correção de cor do filme, com uma iluminação e cenário que sempre variavam entre o azul e o laranja, construindo uma atmosfera perfeitamente tropical mas noturna, para uma (argumentável) agradável noite em Miami. Mesmo em sua estreia como diretora, King revela um forte conhecimento de como uma produção cinematográfica deve ser conduzida e retratada. Me encontro ansioso para ver quais serão as próximas apostas de King, especialmente se pudermos ver uma narrativa mais agitada e expansiva, e menos atrelada ao texto teatral.


Ainda assim, confesso minha aprovação por Uma Noite Em Miami, e o vejo como um sólido produto final. Fiquei feliz que Meu Pai (2021), O Som do Silêncio (2020) e Judas e o Messias Negro (2021) tomaram o lugar do mesmo na corrida para “Melhor Filme” no Oscar? Definitivamente. Mas esse filme definitivamente possui seus méritos, e estou ansioso para que finalmente entre no catálogo rotativo da Sessão da Tarde, para que as donas de casa brasileiras possam apreciar a beleza do longa e se perguntarem entre si: “mas afinal, qual desses é o Pelé?”.


Nota: 3.5/5 Lágrimas


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