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Quando ativismo performativo não é bem performado

Crítica: A Festa de Formatura (2020)

Marco Souza


A Festa de Formatura (2020) é a mais nova comédia musical do produtor, diretor e roteirista amado por muitos (e odiado pelos de bom senso), Ryan Murphy. Murphy contém diversos créditos em muitas séries e em alguns filmes dos mais diversos gêneros, mas aqui ele toma as rédeas para dirigir e produzir a adaptação cinematográfica da peça de teatro de mesmo nome. Na trama, Emma (Jo Ellen Pellman) é uma garota lésbica do estado da Indiana que é impedida de ir para o seu baile de formatura por conta da Associação de Pais e Professores local, extremamente conservadora, que a impede de levar sua até então namorada secreta como o seu par para o baile. Precisando de uma causa para voltar aos holofotes e sair do flop, um grupo de quatro ex-estrelas da Broadway (Meryl Steep, James Corden, Andrew Rannells e – quase invisivelmente – Nicole Kidman) decidem ajudar Emma por conta própria, mostrando que são altruístas e solidários ao...se aproveitarem de um holofote já existente.


Acho que se minha opinião já não estava clara o bastante no título, esse primeiro parágrafo mostra que não tem como esconder: esse filme é uma bagunça. O que é especialmente chocante já que os gays são sempre os mais arrumados da festa (se eles não tiverem arrumado a própria festa em primeiro lugar), mas esse não é meu ponto. Murphy conseguiu fazer o que ele sempre faz com maestria: nos apresenta 10 minutos de entretenimento do maior nível possível, e rodeia isso com cerca de 120 minutos de enrolação e momentos água com açúcar, regados aos mais diversos clichés possíveis.

Eu não posso julgar o filme como uma adaptação, já que não assisti a peça original da Broadway, mas tendo em vista que os dois criadores da obra fazem parte do trio de roteiristas do longa, posso dizer com certeza que esse projeto já estava fadado ao fracasso do início. As vezes ele sai do papel melhor no minimalismo dos palcos de teatro, mas francamente, a única coisa que salva esse filme é a direção de Murphy (uau, você finalmente conseguiu, hein), aliada aos magistrais departamentos de direção de arte e fotografia. Mas o quanto esse filme é visualmente bonito, ele também é vazio por dentro.


A ideia por detrás do musical (ou pelo menos o que eu interpretei por mim mesmo e gentilmente dei crédito aos roteiristas, mas apenas conceitualmente falando mesmo) é criticar o ativismo performático advindo de celebridades que já perderam o senso do que é serem normais e acessíveis à grande massa. Porém, tal crítica é constantemente botada em contestação em frente ao tom do filme. Dee Dee Allen (Meryl Streep) é retratada como uma diva narcisista por meio dos diálogos, mas quando se trata das performances musicais, ela só é mostrada como a melhor performer de todos os tempos, não tendo quase nenhum tom de ironia ao quão desiludida com a realidade ela é, já que ela não parece sofrer consequências por seu caráter, mesmo que a critiquem por tal, porque -novamente- quem poderia ficar bravo com uma mulher de meia idade que sabe cantar? Sabemos que Murphy só queria dar à Meryl mais um papel da atriz de meia idade icônica e excêntrica que ele tanto gosta, mas nem uma atriz como a tal consegue fazer um roteiro unidimensional virar mais um Oscar – nesse caso Tony.


E esse é o maior problema tonal: um filme que em teoria critica os atores, mas é muito mais uma carta de amor para os tais. O que não seria tão ruim se o filme fosse só sobre eles, mas o ponto focal do conflito justamente é que os atores precisam aprender que essa situação não é sobre eles, mas sim sobre a garota que eles querem ajudar. Mas o que o filme faz? Exatamente, eles fazem a trama ser só sobre os atores. Do final do primeiro ato (que inclusive é até bem construído, ao mostrar que a festa foco da trama não é na verdade o clímax do longa), até o desfecho, a história de Emma vira um plot B para Meryl dançando e seduzindo o diretor e James Corden falhando em trazer emoção ao público.


E inclusive, vamos falar de James Corden: Continua péssimo... agora prosseguindo! Brincadeira, vamos dissecar um pouco. Quer dizer, pelo menos tentar, porque o que ele entrega é quase um nada. É visível que ele pelo menos tentou fazer um trabalho melhor que em Cats (2019) – o que já não é muito difícil – mas o ator entrega um personagem que é extremamente estereotipado e cliché, o que certamente não é ajudado pelo fato de Corden deixar claro que é um heterossexual interpretando um homem gay. E em defesa do homem, o texto também não ajuda. Assim como os personagens, a complexidade emocional desse filme é nada complexa, então não é dele que eu iria esperar grandes coisas.


E finalizando a parte de “problemas tonais”, temos vários números musicais dos colegas homofóbicos de Emma sendo retratados de forma completamente normal e fofa (do jeito hétero embaraçoso, mas normal), o que deixa um gosto confuso na minha boca, já que eles são (muito brevemente e de forma mal feita) introduzidos como homofóbicos, mas na cena seguinte eles estão dançando horrores e nós da audiência temos que aplaudir o talento dos dançarinos, mas ao mesmo tempo o filme quer que a gente odeie eles porque estão interpretando pessoas terríveis...mas qual o ponto que o filme quer fazer então? E pra botar sal na ferida, ainda botam um número musical embaraçoso em que o personagem do Andrew Rannells (que aliás tadinho, ele tá fazendo o máximo que pode) convence os adolescentes homofóbicos que eles estão errados com retóricas não só muito conhecidas, como também muito mal escritas, por sinal. Mas pelo visto funcionou bem porque...a trama precisava.


Mas lembram daquela parte que eu disse que o Ryan Murphy consegue fazer por volta de 10 minutos de maestria pra cada 120 de porcaria? Esses 10 minutos seriam então o dueto entre Pellman e a personagem da icônica Nicole Kidman. Embora Kidman não faça absolutamente nada no filme e sua personagem exista pelo simples fato de quererem botar Nicole Kidman no background de quase todas as cenas, nesse dueto ela finalmente tem a oportunidade de brilhar, mostrando a todos o desperdício que fizeram como uma das melhores atrizes ainda vivas, além de mostrar que os compositores do longa conseguem sim fazer músicas bem letras bem feitas.


Acho que frustração é a palavra que melhor define esse filme – e consequentemente tudo que o Ryan Murphy bota o dedo. Tem uma premissa legal, atores maravilhosos, equipe técnica de ponta, mas vão e entregam o filme gay mais sem gosto que eu já vi. Murphy tem o talento de conseguir pegar pedaços de mídia importantes para a cultura gay e diluir tanto em um texto compreensível para a dona de casa norte-americana, que tudo acaba se tornando mais do mesmo. Não tem como torcer para Alyssa Greene (Ariana DeBose), se o roteiro não se sensibiliza com a dor da mesma em não estar preparada para se assumir lésbica para a mãe homofóbica (Kerry Washington) – e pior, dar um solo terrível para a garota, no momento que ela deveria ter sua balada icônica no estilo I Gotta Go My Own Way do High School Musical 2 (2007).


Não importa quantas linhas forem inteligentemente colocadas no meio para o “público alvo” pegar as referências que os roteiristas escreveram, isso ainda não dá um coração para esse homem-de-lata ambulante de filme.



Nota: 2,5/5 Lágrimas


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