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Cabras da Peste

Crítica: Cabras da Peste (2021)

Gustavo Fernandes


A princípio, Cabras da Peste inevitavelmente soa como um denso catálogo referencial, com foco na verborragia que usa e abusa de caricaturas, à la Guel Arraes. Seria compreensível, a partir dessa análise superficial inicial, pressupor que trata-se de uma obra que carece de identidade pessoal. O longa de Vítor Brandt, no entanto, trilha seu próprio caminho e amplia consideravelmente seu leque estilístico, oferecendo ao espectador um produto final muito mais consistente e confiante do que transparece ao longo de seu ato introdutório.


O enredo narra a jornada de Bruceuilis - sim -, um policial do interior do Ceará, em busca do resgate de sua cabra que foi parar em São Paulo. Na cidade, ele se associa a Trindade, um escrivão policial, a fim de encontrar o querido animal. A trama remete a clássicas comédias policiais e busca justamente subverter - à sua própria maneira - diversos parâmetros estabelecidos pelo subgênero. Tais subversões, no entanto, não soam como o principal pilar narrativo do filme - que objetiva, ao longo de boa parte da trama, trilhar um caminho muito mais contido dentro das expectativas do que necessariamente transgressor. Isso não diminui o caráter funcional de Cabras da Peste, haja vista a considerável habilidade da direção de encontrar equilíbrio entre as ferramentas que utiliza.


Grande parte dos personagens em cena corresponde a traços comuns a conhecidos arquétipos do gênero. É interessante como essa construção intencionalmente caricatural sofre subversão pelo filme, que assume a comicidade justamente na pressuposição de fatos por meio de estereótipos e arquétipos. O maior exemplo disso são os diversos momentos em que diferentes personagens assumem já conhecer outros personagens simplesmente devido a características físicas visíveis. O contraponto entre o que é o que parece ser é exposto a todo momento pelo roteiro, assinado por Brandt e Denis Nielsen. Isso é ainda mais interessante se consideramos a perspectiva simplória de Trindade sobre Celestina, enxergando-a como uma mera cabra - apesar de ser de extrema importância para Bruceuilis, sua cidade e para o próprio o filme, haja vista a importância do animal para a trama.


O humor proposto pelo filme é surpreendentemente plural, dialogando com diversas estratégias de comicidade a fim de construir seu próprio apelo - o mais amplo possível. O que a princípio remete consideravelmente a produtos já conhecidos do grande público brasileiro acaba sendo associado - de forma funcional e inteligente - a campos distintos do gênero humorístico. Em determinados momentos acaba sendo nítida a preocupação do filme em abraçar públicos distintos, e embora isso soe extremamente arriscado, é realizado com considerável esmero por Brandt. A identidade da proposta já é escancarada pelo escolha do elenco, recheado de diversos nomes de gerações distintas do humor brasileiro, tais como Edmilson Filho, Matheus Nachtergaele, Falcão e Letícia Lima - todos extremamente confortáveis empregando ao filme seus respectivos estilos característicos. Destaque à brilhante participação de Evelyn Castro, cuja desenvoltura carismática preenche a tela e provoca boas risadas.


A direção é eficaz ao colocar em cena o que é proposto como jogo cômico pelo roteiro, sendo bem-sucedida ao instigar o riso por meio da ironia, sempre dialogando com a pluralidade do elenco. A condução de Brandt encontra fragilidades quando precisa transitar entre objetividade e subversão. Em determinados momentos, é difícil identificar o propósito cômico do que é apresentado, o que pode proporcionar certo afastamento da experiência proposta a princípio, mas sem comprometer de forma geral a imersão do espectador. De modo geral, o trabalho realizado por Brandt consegue encontrar sua própria essência e, ainda assim, referenciar diversos títulos cômicos do cinema brasileiro e, certamente, comédias policiais hollywoodianas.


Cabras da Peste não reinventa a roda ou propõe elementos formais consideravelmente identitários, mas também não demonstra carência de estilo - justamente por conseguir utilizar bem suas referências. A subversão pontual de artifícios proposta pelo filme confere ainda mais possibilidades do que ele poderia ter caso optasse por seguir um caminho mais convencional. Trata-se de uma comédia escapista que faz uso inteligente do enredo que almeja contar e dos recursos que possui em mãos, visando entreter e provocar o riso por meio da sagacidade, acima de tudo. E nesse aspecto, o filme de Vítor Brandt possui êxito considerável.


Nota: 3,5/5 Lágrimas


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