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Licorice Pizza - Um prato leve, fluido e memorável sobre um amor jovem e egoísta.

Crítica: Licorice Pizza (2021)

Arthur Pereira

Pensando em algumas metáforas para iniciar esse texto, escolhi comparar duas artes. Assim, nessa metonímia arbitrária - assim como as divertidas escolhas narrativas do roteiro do filme em questão -, “fazer um filme é como cozinhar”. É um processo cadenciado, cada ingrediente deve ser selecionado com consciência e sabemos que tentar seguir uma receita simples pode até ocasionar um resultado satisfatório, mas o que fica mesmo na memória é o toque especial que surpreende e maravilha.


Paul Thomas Anderson sempre faz parecer fácil o difícil trabalho de contar bem uma história (ou de cozinhar bem uma história) e, dessa vez, o que ele entregou foi uma deliciosa pizza de alcaçuz: uma mistura que pode inicialmente soar estranha, mas que certamente é única e funciona para a maior parte dos paladares. “Licorice Pizza” é o nome de uma antiga famosa loja de discos (que nem é citada no longa) e o título de um dos selecionados à categoria de melhor filme do Oscar 2022, anteriormente intitulado com o nome provisório de Soggy Bottom.


O coming-of-age leve, alegre e imersivo parte de uma premissa-base trivial e íntima: a passagem da infância para a vida adulta e a linha tênue entre amizade e relacionamento romântico com o plano de fundo da Califórnia no início dos anos 70. Porém, o roteiro e, principalmente, a direção segura e certeira - que nunca se estende demais em alguma cena e possui controle total da história - tornam a experiência extremamente fluida e agradável. Assim como Tarantino (em Once Upon a Time... in Hollywood) e Linklater (em grande parte da própria filmografia), Paul Thomas Anderson recria versões de memórias da adolescência e evidentemente se divertiu muito na produção dessa carta de amor à juventude e à Los Angeles.

A direção de atores preza pelo naturalismo cercado de uma certa ironia que parte de quem já passou por aquela época da vida e agora olha para trás. Os dois jovens protagonistas são interpretados por estreantes, uma decisão incomum, mas certeira, já que o desempenho de ambos é impressionante.


Cooper Hoffman, filho do lendário ator Philip Seymour Hoffman (que inclusive possui uma longa lista de colaborações com o diretor PTA), possui uma atuação carismática, equilibrada e muito divertida dando vida a Gary Valentine: jovem ator e empreendedor, autor de diversos planos imaginativos. Dessa forma, o que no início pode ser considerado um mergulho no mundo dos sonhos de Gary Valentine, muitas vezes também passa para o universo em que Alana se encontra perdida e flutuando.


Alana Haim vive uma personagem homônima muito sarcástica, insegura e amoral - traço importante para compreender e se relacionar com as atitudes da protagonista. A atriz, já reconhecida pelo trabalho como cantora na banda pop Haim, entrega uma performance extremamente autêntica e reativa. Outro ponto interessante do longa é a intimidade da vida real trazida para dentro do mundo fictício, já que toda a família Haim interpreta a família de Alana dentro do filme. Essa mistura entre ficção e realidade torna-se peça chave do filme, inclusive ao mencionar e retratar por diversas vezes personalidades reais em conjunturas fantásticas.


Ademais, a seleção de atores coadjuvantes é extraordinária. Um dos maiores êxitos do filme encontra-se justamente nesses personagens memoráveis que entram e saem da narrativa com até certa aleatoriedade. Bradley Cooper vive o excêntrico Jon Peters e possui um desempenho tão envolvente que gostaria que a subtrama dele tivesse mais consequências no decorrer da história. Sean Penn dá vida a uma faceta divertida de William Holden, ator de diversos clássicos dos anos 50. Além disso, há a participação interessante do diretor e ator Benny Safdie como o político Joel Wachs, e a curiosa presença do pai de Leonardo DiCaprio, interpretando um vendedor de colchões de água. Harriet Sansom Harris também tem uma aparição curtíssima e fenomenal.


A trilha de Jonny Greenwood é novamente perfeita, sendo que o guitarrista da banda Radiohead também é responsável pela trilha sonora de Power of the Dog e Spencer (trilhas que são um dos melhores atributos desses dois filmes presentes na temporada de premiação). Além disso, o filme conta com canções de grandes nomes que marcaram a década de 70, como Nina Simone, The Doors, Paul McCartney e David Bowie, que ajudam na ambientação, engrandecem momentos e ilustram os dilemas vividos pelos personagens. A lustrosa, inventiva e íntima fotografia em 35 mm do próprio Thomas Anderson em conjunto com Michael Bauman também é belíssima, assim como o autêntico design de produção.

Diante disso, a construção narrativa é convidativa; o tom percorre por melancolia, comédia e contemplação (principalmente com lindos planos evidenciando a silhueta dos personagens) sem se desprender do fio principal; e as temáticas encontradas em milhares de filmes do gênero, como o amor platônico, a amizade, o ciúme e o crescimento, são abordados de modo espontâneo e intenso.


Agora vamos pras ressalvas. A diferença de 10 anos de idade entre o casal protagonista (mesmo que muito comum no período em que se passa o filme), pode tornar as circunstâncias desconfortáveis e de fato em poucos momentos foi possível torcer pelo casal. O filme nunca toma juízo de valor ou glorifica qualquer tipo de atitude problemática, mas acompanhar um relacionamento que o espectador não se importa tanto, em um filme de romance, é um fato a ser refletido. A utilização de alguns estereótipos para provocar humor, ausência de certas contextualizações - que levariam à obrigatoriedade do espectador realizar uma pesquisa externa para compreender todo o contexto retratado - e alguns arcos subaproveitados (ao mesmo tempo divertidos o suficiente para não tornar a experiência maçante) também podem ser restrições. Por esses motivos, a estranha combinação de ingredientes realizada por PTA pode não ser para todo mundo e parte do público terá fortes reações negativas - com uma boa pitada de razão -, mas não deixa de ser muito bem preparada.


Já em relação à premiação mais (cada vez menos) célebre do Cinema, as chances de Licorice Pizza vencer o maior prêmio da noite são remotas, mesmo que seja um dos três filmes mais merecedores de tal gratificação. Ele também está indicado ao Oscar nas categorias de melhor diretor e roteiro original, com maiores chances de vencer na última. Uma indicação em direção de arte teria sido justíssima, mas com The French Dispatch tendo sido absurdamente esnobado pela Academia (impossível não citar), nem surpreende.


Paul Thomas Anderson filma uma passagem para a vida adulta particular e única, condensada em pouco mais de duas horas, de forma potente e com um frescor universal. Em outras mãos, provavelmente seria um longa que atira para todos os lados e não chega em lugar algum, porém, aqui, são muitos eventos sobre nada que abrem espaço para muita significação e envolvimento. Assim como um prato de pizza de alcaçuz, deixou um sabor esquisito, confuso e incômodo ao fim dos créditos finais; mas quanto mais o tempo passa, o filme ganha um gosto mais agradável e, o mais importante de tudo, memorável.





Nota: 4,5/5 Lágrimas


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