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O Beco do Pesadelo - Para Del Toro, Sangue de Galinha É Suco.

Crítica: O Beco do Pesadelo (2021)

Marco Souza


Nightmare Alley (2022), localizado no Brasil como O Beco do Pesadelo, é um belíssimo exemplar do alcance do diretor Guillermo Del Toro, em sua incessante busca por transformar todos os gêneros cinematográficos possíveis em fábulas distorcidas e grotescas – no melhor sentido possível.


O toque do diretor mexicano é imediato: apenas uma mente fascinada pelo sombrio e o desconfortável poderia adaptar a novela homônima de William Lindsay Gresham com tanta fidelidade à estética carregada e salibrosa de um circo dos horrores dos anos 30/40, o famoso freakshow para os fãs de American Horror Story. Mas não se enganem, pois o real trabalho de Del Toro se encontra na facilidade que ele possui em tornar atmosferas sórdidas em ótimos trabalhos de cinematografia e design de produção, que desabrocham em uma mais clara e tradicional beleza após a primeira hora de filme, quando nos são introduzidos cenários mais pintados pela alta classe e estética art déco da época retratada.


Eu facilmente diria que Del Toro é provavelmente o único de seus contemporâneos a poder andar tranquilamente na ponta dos pés sobre a corda bamba que é o gosto dos votantes do Oscar, e isso sem botar em xeque sua estética transgressora própria. Suspenses psicológicos com pitadas de filme noir, como O Beco do Pesadelo é, raramente conseguem o reconhecimento necessário para quatro indicações na casa da já citada estatueta de ouro, ainda mais quando se trata da cobiçada categoria de “Melhor Filme”. Mas não há como negar: quando um longa-metragem – e ele honra o prefixo - de quase duas horas e meia consegue te manter entretido por toda a sua duração, sem abusar do artifício de explosões, tiros e cenas frenéticas de ação a cada cinco segundos, dá pra entender que o produto final não foi só um grande milagre.


Além da atmosfera bem construída e explorada que não me canso de elogiar, os parabéns também vão para o roteiro adaptado, que faz um incrível trabalho em fazer parecer um produto completamente original, quando muitos de seus similares pecam ao evidenciar a falta de cenas ou personagens que são completamente necessárias para o desenvolvimento do material base, mas que tiveram que ser cortadas da adaptação por questões de tempo. Não sou familiarizado com o livro que dá nome ao filme, e muito menos com a primeira adaptação para as grandes telas, lançada em 1947, mas posso afirmar que, como uma obra individual, O Beco do Pesadelo é tão afiada que me remete aos textos de Aaron Sorkin (em seus bons momentos, aparentemente não tão frequentes hoje em dia).


Dito isso, também precisamos admitir a grande sombra que paira sobre a produção: apesar de possuir um elenco com notórios nomes em Hollywood, é constante a sensação que muitos atores pisaram no set já no piloto automático, em um dos maiores type-castings que vi em memória recente em um longa desse tamanho. Bradley Cooper faz o anti-herói que está disposto a arriscar tudo para jogar o jogo do capitalismo; Toni Collette é a sedutora mulher de meia idade com seus próprios demônios para enfrentar; Cate Blanchett é a femme fatale rica com capacidade de rivalizar qualquer homem; e Rooney Mara é a mulher coadjuvante e submissa ao protagonista. Pegue quaisquer títulos na filmografia de qualquer um dos nomes citados e você provavelmente achará ao menos três atuações que condizem com a descrição dada, mas que são objetivamente melhores. Ainda assim, atuações lineares de bons atores sempre serão no mínimo carismáticas, e cá entre nós, ninguém nunca vai ficar frustrado ao ver Blanchett vivendo sua fantasia de madame poderosa.


Em sumo, Del Toro trás seu aprendizado em construir mundos com estéticas completamente desenvolvidas para O Beco do Pesadelo, e consegue trazer um gênero já muito defasado com um novo olhar cativante, e com um contexto histórico e de temática bastante interessantes de serem analisados em retrospectiva. Rés aqui minha expectativa que eventualmente teremos um filme que retrata Ed e Lorraine Warren como os verdadeiros trambiqueiros e canastrões que muitos de seus contemporâneos já os denunciaram ser, mas isso se não tomarem um processo gostoso dos produtores do universo expandido de Invocação do Mal. E para quem gostar de O Beco do Pesadelo, fortemente recomendo uma pesquisa não apenas sobre os Warren, mas também sobre a popularização dos infames tabuleiros de Ouija nos Estados Unidos durante o período de pós guerra – que aliás, hoje em dia são produzidos pela Hasbro, a mesma que vende Monopoly e similares jogos de tabuleiro.


Se vocês tiveram a paciência de ver Bradley Cooper de bigode usando de espelhos e fumaça para convencer a audiência que ele é um bom ator por quase três horas, acreditem em mim, um minidocumentário no YouTube nem se compara.


Nota: 4/5 Lágrimas

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