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A vingança vem também em tons pastéis

Crítica: Promising Young Woman (2020)

Marco Souza


Promising Young Woman (2020), que no Brasil ficou conhecido pelo não tão inteligente título Bela Vingança (2021), é o mais novo thriller/comédia ácida/drama dessa temporada do Oscar a (finalmente!) estrear em terras brasileiras. Promising (forma como vou chamar o filme durante o decorrer dessa crítica, por um motivo que já em frente será explicado), narra a história de Cassandra (Carey Mulligan), uma jovem mulher que, após lidar com um evento traumático durante sua vida universitária, decide se tornar uma justiceira local, se vingando de homens que se aproveitam de mulheres embriagadas em bares e baladas.


O longa de estreia da diretora Emerald Fennel, que muitos de vocês devem conhecer como a “Camilla” de The Crown (2016-) e a showrunner da segunda temporada de Killing Eve: Dupla Obsessão (2018-), retrata problemáticas sensíveis de uma forma que outros contemporâneos de Fennel não teriam a coragem de trazer às grandes telas, mesmo com anos a mais de experiência.


Promising é uma experiência única e polarizante para cada um que assiste à obra, então que fique claro desde agora que: se você é sensível quanto à temas de abuso sexual, suicídio e o papel da mulher na sociedade, e você acha que essas temáticas só possam ser representadas de uma única forma, bastante politizada e com claros papéis de “herói” e “vilão”, então esse filme provavelmente vai te enfurecer. A mensagem também se estende aos incels e às radfems, que só conseguem ver feminilidade da forma que os convém, mas a esses eu já não me importo de enfurecer.


O título original do longa, que em português seria traduzido para “Jovem Mulher Promissora”, é uma referência direta ao caso de Brock Turner, um estudante da prestigiada universidade de Stanford que foi sentenciado por estupro (o qual apenas cumpriu 3 meses), mas que ainda assim foi chamado por “jovem promissor” pelo próprio juiz que o julgou. Para um cidadão estadunidense, que definitivamente conhece o caso (e por extensão a frase) pela proporção que o mesmo teve em 2016, tal título imediatamente demonstra a intenção de Fennel: trazer críticas sociais extremamente relevantes, mas o mesmo tempo ironizar e subverter histórias de vingança com protagonistas mulheres.


O tom de Promising, como já mencionado antes, é um dos maiores pontos que dividem as pessoas que amam e as que odeiam o produto final. Enquanto os fãs do longa vão defender seu tom cômico e romântico em certos momentos, trazendo uma estética convencionalmente feminina, regada à esmaltes em tons pastéis, cafeterias Tumblr e trilhas musicais carregadas no pop chiclete; os críticos do filme vão argumentar o contrário, dizendo que a narrativa vai longe demais, brincando com e menosprezando assuntos contemporâneos muito sérios, e principalmente criticando a protagonista e as táticas que a mesma usa para concluir seu plano.


De forma objetiva: não, eu não acho que Promising falha em quaisquer aspectos com o movimento feminista e o que o mesmo prega, mas de forma alguma quero que mulheres que se sintam ofendidas com um ou mais aspectos do filme se sintam também invalidadas, ainda mais por um homem. Dito isso, também acho que a arte e a expressão de alguém não deveria ser policiada para ser nada mais do que claramente moralista e digestível, e faço das palavras de Fennel, em entrevista ao canal do YouTube entertainementie, as minhas: "Eu não acredito que filme algum deveria ser um remédio ou um seminário (...) É importante pra mim que (Promissing) seja o maior reflexo da vida o possível. A vida é romântica, engraçada, sexy, bonita, mas também um pesadelo."


O que Fennel e a equipe de Promising fazem com excelência, que por exemplo um filme de temática similar, como Kill Bill (2003) não consegue, é completamente nos imergir na pele da protagonista, nos fazendo entender todas suas motivações e objetivos, mas ainda nos surpreendendo quando a trama se mostra cada vez mais realista e honesta com a vivência dos atos. Nós queremos que Cassandra consiga um desfecho feliz, aonde ela finalmente sinta justiça, mas não às custas de sua própria saúde mental. As ações da protagonista são extremamente abusivas e claramente não justificáveis, mas ainda assim não são o que esperaríamos de uma narrativa de vingança. É especialmente terrível o fato dela cometer todos esses atos, porque sabemos que essa personagem pode ser uma pessoa real, diferente de uma super talentosa espadachim que faz um novo genocídio a cada nova cena.


Assim, Promising se mostra um filme que analisa e critica suas próprias personagens à fundo, botando o dedo na ferida de todos os envolvidos, ao invés de botar Cassandra como a heroína, acima de todos, só pelo fato dela ser nossa protagonista. Não é porque a obra narra a história de Cassandra, uma mulher que foi e é vítima de várias situações, com severos traumas, que ela vai sempre estar certa. E não é porque o produto final tem um claro teor feminista, por abordar uma realidade tão sensível às mulheres, que o filme em si existe apenas para educar as pessoas quanto ao “correto”, e para ser um filme sobre feminismo.


Se você consegue entender a natureza mimética do longa, que usa da estética macia e bonita da feminilidade, para a contrapor ao teor pesado e afiado da narrativa, como uma própria armadilha, então você também pode claramente entender que essa é uma experiência observacional, focada na vida da personagem, mas que o subtexto desse filme é fortíssimo, e as mensagens que ele transmite também. Agora, se você acha, por exemplo, que o fato do roteiro não explicitar que a personagem de Laverne Cox é uma mulher trans, indica que o produto como um todo não apoia o movimento trans, então eu realmente não posso te dizer nada mais além de que umas aulas de interpretação de texto lhe cairiam bem.


E não é apenas porque o filme tem o holofote sempre focado em Cassandra, que isso significa que a performance de Mulligan iria ser tão extraordinária quanto acabou sendo. Mulligan demonstra um nível de sensibilidade com a personagem que é inegável: essa dualidade entre se divertir fazendo as cenas cômicas, mas também se emocionar quando sua personagem começa a se auto-sabotar, por conta de seus gatilhos.


Assistindo Promising Young Woman por uma segunda e terceira vez, é possível realmente descobrir o quão maravilhosamente intricado foi o trabalho da equipe inteira por trás do filme. É palpável a paixão dos profissionais em cada detalhe da direção de arte e do figurino, assim como o elenco de apoio que, mesmo composto por atores conhecidos principalmente por trabalhos humorísticos (Bo Burnham, Alison Brie, Jennifer Coolidge, Molly Shannon, etc), entregam performances dramáticas muito fortes, e que definitivamente não te deixam terminar o filme se sentindo indiferente.


O longa me transmite emoções muito similares à quando eu finalmente assisti Parasita (2019), mesmo que Promising ainda não seja tão perfeccionista quanto o primeiro. Ambos tratam de questões sociais e políticas extremamente importantes, de uma forma mais acessível do que um drama lento e experimental jamais conseguiria (Nomadland, amoooor....). É ao entreter o espectador, que ambos conseguem te fazer baixar a guarda, e assim te surpreender, redirecionando a narrativa de uma forma que você nunca esperaria. E é por isso que eu faço questão de deixar minha torcida para Promising Young Woman no Oscar 2021 aqui, mesmo que, a esse ponto da competição, provavelmente teremos um resultado mais para o lado de um Corra! (2017) ou um Jojo Rabbit (2019) do que um Parasita.

Em conclusão, parabéns a todos os envolvidos. São poucos os filmes com temáticas pesadas que me dão vontade de reassistí-los com poucos meses da última exibição, mas Promising definitivamente entra nessa lista de longas que apenas crescem conforme eu assisto de novo e de novo, com diferentes pessoas e suas diferentes reações. Promising Young Woman sempre vai irradiar mais big dick energy que seus filmes favoritos de macho alfa meia boca, e a única coisa a se fazer agora é aceitar e aumentar o som até o máximo quando o cover instrumental de Toxic começar a tocar.


Nota: 5/5 Lágrimas


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