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Uma viagem sobre a distorção da mente humana e das relações interpessoais

Foto do escritor: Equipe LacrymosaEquipe Lacrymosa

Crítica: Undone (2019-)

Gustavo Fernandes


Após desenvolverem a bem-sucedida Bojack Horseman para a Netflix, Kate Purdy e Raphael Bob-Waksberg ampliaram os horizontes ao darem vida à peculiar Undone para o Amazon Prime Video. Elencando elementos de comédia e ficção científica, a série vai além do casamento entre os dois gêneros e, como já sugerido neste parágrafo, promove ao espectador uma experiência definitivamente ímpar em diversos aspectos.


A nova aposta de Purdy e Bob-Waksberg acompanha Alma, uma jovem profundamente afetada pelo falecimento precoce de seu pai e extremamente insatisfeita com os rumos previsíveis que sua vida tem tomado. Após sofrer um acidente de carro, a protagonista passa a ter visões oníricas envolvendo seu pai, que clama pela ajuda da filha para que os mistérios envolvendo sua morte sejam descobertos. Nesse contexto, ele também diz a Alma que ela possui dons psíquicos poderosos e que, com o treinamento adequado, poderia viajar através do tempo e até manipulá-lo.


É difícil conseguir evitar comentários sobre a técnica de animação utilizada pela série, pois trata-se de algo que não apenas imprime unicidade estética a ela, como também viabiliza possibilidades interessantes. Trata-se da Rotoscopia, técnica que consiste na animação quadro-a-quadro de filmagens live-action. O uso da técnica não é novidade, já tendo sido visto em filmes como O Homem Duplo e Acordar para a Vida - ambos de Richard Linklater. Aqui, no entanto, o propósito de seu uso é diretamente conectado ao do enredo da série, já que trata-se de uma obra justamente sobre a exploração da elasticidade da realidade.


Apesar de contar com uma extensão irrisória de oito episódios de aproximadamente 20 minutos de duração, Undone não imerge o espectador bruscamente em sua trama central. O primeiro episódio da série é quase inteiramente dedicado à introdução de Alma e sua relação com os familiares e o namorado. Esse é, inclusive, um dos maiores méritos da série, pois há genuína organicidade na transição entre a comédia mundana e a ficção científica. Algo ainda mais interessante é que toda a trama envolvendo viagens no tempo soa, em diversos momentos, como um pano de fundo para uma história pra lá de bem-humorada que é, na verdade, sobre Alma e sua família.


Um dos mais fortes alicerces narrativos da série é o uso das aparições de Jacob, pai de Alma, como instrumento para provocar dúvida no público. Alma tem medo, desde o princípio, de receber um diagnóstico próximo ao recebido por sua avó paterna, considerada esquizofrênica e internada num manicômio. A série abusa das possibilidades advindas das aparições, pois, para Jacob, os transtornos mentais têm, geralmente, ligação direta com a existência de poderes xamânicos. O espectador é, a todo momento, instigado a acreditar na teoria do pai de Alma. Afinal, torcemos pela protagonista e para que ela conclua seu principal objetivo: descobrir os mistérios envolvendo a morte de seu pai e, se possível, modificar o que houve.


A irreverência atmosférica da série deve-se muito a Rosa Salazar, atriz responsável por dar vida à sarcástica Alma. O carisma da protagonista não apenas instiga o espectador a acompanhar suas peripécias, mas promove estabelecimento de vínculo emocional genuíno com a personagem. Angelique Cabral, Constance Marie, Bob Odenkirk e Siddharth Dhananjay são outros nomes pra lá de competentes e confortáveis em seus papéis, e também conquistam o público com seus personagens.


Abordando de forma leve e bem-humorada temáticas comuns ao cotidiano de jovens adultos, Undone é exitosa ao elencá-las organicamente com elementos de ficção científica. O que acabou me desanimando foi ver que a série já foi renovada para uma segunda temporada, pois trata-se de uma obra que ganha o público através da dúvida quanto à veracidade dos eventos por ela retratados. O desfecho do primeiro ano é, inclusive, aberto e extremamente condizente com a proposta narrativa da temporada, que deveria ser uma minissérie limitada. Isso, no entanto, não tira o brilho da deliciosa viagem que é o primeiro ano dessa preciosa animação.


Nota: 4/5 Lágrimas


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