Crítica: Thelma (2017)
Gustavo Fernandes
O uso do sobrenatural como instrumento catalisador de mudanças comuns à juventude não é novidade no cinema. Apesar de ser frequentemente utilizado em filmes de horror, trata-se de um traço comum também ao cinema de super-heróis. No meio do caminho entre os dois gêneros - e flertando com mais alguns -, encontra-se Thelma, longa-metragem escolhido pela Noruega como representante oficial do país na disputa pela indicação a Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2018. Trata-se de um drama norueguês sobre uma jovem que tem de lidar com poderes sobrenaturais que, apesar de nocivos e destrutivos, também revelam-se como a chave para sua liberdade em relação à rígida criação que recebeu dos pais.
A premissa é um tanto simples e, até certo ponto, não entrega nenhuma novidade em relação ao que já foi visto em filmes de origem de super-heróis ou filmes de terror sobrenatural encabeçados por personagens com dons poderosos e, justamente por isso, perigosos. O filme também não se distancia do padrão estabelecido pelos coming of age ao longo das últimas décadas, marcados pelo constante anseio por adaptação, aceitação e algum tipo de libertação. No entanto, o tratamento recebido pela direção de Joachim Trier (também co-roteirista) chama atenção pela sensibilidade com que trata a protagonista e seus conflitos. Acima de tudo, é interessante acompanhar a transgressão gradual de Thelma - cuja personalidade melancólica é encarnada competentemente por Eili Harboe - ao deixar sua zona de conforto, representada pela pequena cidade onde foi criada sob os rígidos dogmas religiosos impostos a ela pelos pais.
Não pense que a fantasia de Thelma está somente na descoberta e no desenvolvimento dos poderes sobrenaturais da protagonista. Mais importante que isso é a magia impressa por Trier aos sentimentos crescentes de Thelma por Anja, sua colega que passa a ser, também, sua sina. A paixão acaba se tornando o mais poderoso fio condutor do filme, sendo ramificado de diversas maneiras ao longo das duas horas de projeção. É interessante também como o filme se desenvolve organicamente através dos diversos gêneros que toca: ora soando como um romance pulsante, ora soando como um horror de atmosfera extremamente opressiva, não há disfunção narrativa.
Se há como equiparar Thelma a outro filme, acredito que o mais adequado seja Corpo Fechado (Unbreakable, 2002), de M. Night Shyamalan. Embora não seja uma obra sobre amadurecimento e descobertas comuns ao início da vida adulta, o clássico estrelado por Bruce Willis ostenta diversas semelhanças com o poderoso, mas ainda fresco longa de Trier. Ambos possuem desenvolvimento dramático louvável ao acompanhar seus protagonistas em jornadas de autodescoberta e autoaceitação, além de serem “filmes de origem de super-heróis” - embora atribuir a ambos essa alcunha seja, no mínimo, redutivo. Outro aspecto similar entre os dois filmes é o departamento musical: a força das melodias de Ola Fløttum para Thelma se aproximam fortemente do intenso trabalho de James Newton Howard para Corpo Fechado.
Destarte, Thelma é exitoso ao elencar, de forma orgânica e consistente, elementos de gêneros cinematográficos distintos. Ao término das duas horas de projeção - finalizadas por um take bem similar ao de abertura -, é difícil não se sentir minimamente próximo da complexa protagonista e de seu intenso embate interno. Seja como filme de super-herói, terror, drama, ou mesmo romance, é difícil passar indiferente por uma obra tão primorosa e funcional.
Nota: 4/5 Lágrimas
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