Crítica: O Tigre Branco (2021)
Marco Souza
O Tigre Branco (2021) é o mais novo drama a entrar no catálogo da Netflix, adaptação do livro bestseller do New York Times de mesmo nome, escrito por Aravind Adinga. Dirigido e adaptado para as grandes telas (de televisão) por Ramin Bahrani, O Tigre Branco é narrado por Balram Halwai (Adarsh Gourav), um homem de casta baixa que nos conta a sua surpreendente e conturbada trajetória de sucesso, tendo vindo de uma família extremamente pobre de um vilarejo da Índia, e acabando por se tornar um dos maiores empresários do país. E claro, tal narração é explicada como Balram escrevendo um (incrivelmente longo e pessoal) e-mail ao premiê chinês, que pretende visitar a Índia para aprender com a economia dos vizinhos. Acho que em 2010 eles ainda não tinham WhatsApp pra mandar textão pros amigos durante a madrugada.
Embora eu não tenha lido o livro que dá nome ao longa, o filme tem uma narrativa já bastante conhecida no mundo cinematográfico: a ascensão socioeconômica de um indivíduo em situação de grande vulnerabilidade e pobreza em geral. Então o que torna O Tigre Branco diferente dos demais? Em sumo, a trama não se passa em um país de primeiro mundo movido pelo consumismo desenfreado, e muito menos tem um protagonista branco que reclama que nunca ganhou o carrinho de controle remoto que queria quando era criança. Mas agora de uma forma mais detalhada:
Através da metáfora do “tigre branco”, um animal que “só nasce uma vez a cada geração”, o filme escancara todos os problemas socioeconômicos de um protagonista que não aceita a realidade de um país de terceiro mundo que foi marcado por seus colonizadores de forma ampla e profunda. O filme faz um papel quase que didático ao explicar a sociedade da Índia para os espectadores, mas ainda assim, é interessante fazer uma breve pesquisa prévia para ter uma ideia geral do que é o sistema de castas, e assim entender o porquê Balram age da forma que age. Ele não está em uma posição em que pode simplesmente fugir e agir imprudentemente sem esperar repercussões, como vemos em tantos outros filmes com essa temática aqui no Ocidente. Balram não só tem que ser meticuloso para garantir sua própria sobrevivência e por extensão a de sua família inteira, assim como também foi inconscientemente manipulado a botar seus empregadores em um pedestal, independentemente do quão grosseiros, classistas e oportunistas eles possam ser.
Um roteiro que se compromete a buscar uma dualidade tão complexa em um protagonista deve sempre ser aplaudido. Balram, ao mesmo tempo que é o único dentre a sua família que não aceita sua posição na sociedade indiana, ainda tenta ao máximo seguir um caminho baseado no esforço e dedicação, almejando o topo. Ele é capaz de enganar seus chefes por se adaptar rapidamente às situações, mas isso não muda o fato que os mesmos podem fazer similar, já que Balram ainda é um homem que nunca foi capaz de terminar seu ensino escolar e é ignorante à muitas questões burocráticas e conceituais. Em nenhum ponto nós vemos o protagonista simplesmente se tornando a pessoa mais inteligente e sagaz do mundo apenas para avançar a trama, tudo é bem construído e baseado em como ele reage ao que lhe fazem sofrer.
Mas dito isso, o longa não surpreende ao botar o estopim que desencadeia o começo do segundo ato como a cena inicial do produto inteiro. Nós sabemos exatamente quem o protagonista é e qual foi sua meta desde os primeiros minutos após a cena inicial, senão desde a sinopse. Ele literalmente nos narra seu ponto de vista enquanto tem um bigode de mafioso estampado em sua cara. O próprio filme sabe que sua premissa já foi trabalhada diversas vezes antes e não faz questão de esconder isso, mas por algum motivo ainda realça uma cena que certamente teria mais valor emocional para o espectador ao assistir a trama cronologicamente.
Roteiro à parte, a produção técnica é sólida mas não surpreende muito na maioria dos momentos. Paisagens indianas aqui, luzes neon ali, é visível um esforço para se produzir algo mais perto de Hollywood do que Bollywood, ainda mais com os investimentos de ambas Priyanka Chopra (que aliás estrela no filme!) e Ava DuVernay, mas nada me interessou da mesma forma que o roteiro. A cinematografia, por exemplo, me lembra algo que a Globo Filmes faria no início da década passada. Boa o bastante, mas nada fora do genérico. Ainda assim, dou uma leve piscadela para a direção e as atuações, acho que ambos tiveram muito potencial.
O Tigre Branco certamente não é um Quem Quer Ser Um Milionário? (2008) ou um Parasita (2019), mas ainda assim oferece um dos roteiros mais menosprezados da temporada de premiações 2020-2021, ao oferecer algo muito menos óbvio do que se esperaria. Sim, o longa tem uma figura política chamada A Grande Socialista (Swaroop Sampat) que é vista de forma ligeiramente positiva, e uma mensagem geral de “morte aos ricos!”, mas a problemática social do longa-metragem é muito mais uma forma de intensificar o estudo dos personagens do que simplesmente propagar a ideia de que os ricos são pessoas más e sem escrúpulos. O Tigre Branco é na verdade uma história sobre adaptação humana e faz questão de nos colocar na linha de frente, ao contestar não só as decisões do protagonista e das pessoas ao seu redor, mas do próprio espectador, se estivéssemos nesse mesmo lugar.
Nota: 3.5 / 5 Lágrimas
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