Beginning - A dolorosa resignação inevitável
- Equipe Lacrymosa
- 12 de mar. de 2021
- 2 min de leitura
Crítica: Beginning (2020)
Gustavo Fernandes
As extremidades da resignação e seus desdobramentos internalizados são o coração de Beginning, longa-metragem de estreia da diretora georgiana Dea Kulumbegashvili. É através da brutalmente minuciosa imersão do espectador no subjetivo da protagonista que a diretora conduz sua narrativa - tão densa quanto sutil, mas sempre fortemente expressiva.
O filme acompanha a dura jornada de degradação emocional de Yana, uma mulher pertencente a uma comunidade de Testemunhas de Jeová, em processo de crescente desilusão em relação a sua vida e a seu papel social. O desgaste emocional vivenciado dia-a-dia pela personagem não é confrontado diretamente por ela, mas internalizado e revestido por resignação - sentimento cada vez mais inevitável pelo espectador, haja vista sua gradual imersão no profundo processo vivenciado por Yana. A premissa é desenvolvida com minúcia pela diretora, que busca incomodar e provocar, sempre com delicadeza, recusando diversos artifícios que poderiam colocar seu filme no lugar comum.
Longos planos estáticos guiam o espectador rumo ao profundo mergulho sensorial proposto por Dea. A inquietação que a decupagem enxuta da diretora proporciona não culmina necessariamente na resignação do público, mas em ânsia por alguma forma de catarse. Tal desejo inevitável não interfere nos planos de Dea, afinal, Beginning é um exercício de resignação quase contemplativo - se é possível contemplar de alguma forma a brutalidade da jornada vivenciada pela protagonista. O uso de 4:3 como razão de aspecto só potencializa a proposta da diretora, uma vez que reforça a intimidade da jornada retratada. O robusto sound design valoriza cada camada sonora componente do filme, provocando reações diversas e sempre convidando o público a adentrar a difícil jornada vivenciada por Yana.
A articulação entre propósito narrativo e transposição imagética funciona de forma orgânica e cada vez mais desafiadora em Beginning, à medida que o espectador se vê cada vez mais imerso na necessidade de contenção emocional da protagonista. Nesse sentido, o longa funciona quase como um filme de terror: o espectador é levado por uma agonizante curva crescente que não busca preparar ou proteger o público, mas provocar choque e até aversão eventual, para no fim das contas, ser eternizado na memória como um forte nó na garganta. É aí que está o maior acerto de Beginning: sua omissão constate passa a soar como hesitação, corroborando a dureza da sofrida resiliência de Yana.
Poderoso até mesmo em momentos de pura digestão, Beginning é um intenso exercício sensorial de imersão e provocação. Um grito ressonante embalado por resignação, sutileza e passível de diversas análises. A estreia cinematográfica de Dea Kulumbegashvili não é uma experiência de simples digestão, mas um convite à reflexão sobre a turbulência sistemática retratada com minúcia e coragem.
Nota: 4/5 Lágrimas

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